RADIO UJC SETE LAGOAS - TOCA Chico

terça-feira, 25 de maio de 2010

Eu Brasileiro da Silva

I




Gado triste,

Boi de corte.

Saio à vida,

Vou à morte.



Vejo gente

Sempre mole.

Não sou rico

Nem sou pobre.



Piscam bocas,

Falam olhos.

Zombo do azar,

Desdenho da sorte.



São calados,

Tão garrotes.

Respeito quem fica,

Desprezo quem foge.





II



Gado manso,

Boi de carne.

Digo sim, quando não.

Digo não, quando sim.



Esperam tudo

De quem governa.

Eu sou do contra,

Eu sou assim.



E vencem a fome,

De ano a ano.

Cuspo no mundo,

Escarro em mim.



Se dizem gente

De grande fado.

Eu quero o começo,

Não quero esse fim.



III



Gado frouxo,

Boi de pasto.

Grito na praça,

Choro no quarto.



Escuto frevos

De sons rasgados.

Abraço Deus,

Me dou ao Diabo.



E tecem putas

Pra ricos falos.

Tomo cerveja.

Dou o meu trago.



Descem morros,

Levantam palácios.

Eu quero o que muda,

Renego as trapaças.





IV



Gado alegre,

Boi de piranha.

Sou dos que gritam,

Sou dos que fervem.



Vejo milhões,

Sambando no breque.

Nada devo a ninguém,

Nada ninguém me deve.



Habitam alagados,

Sonham com neve.

Me jogo num bar,

Bebo de leve.



Olho essas caras

De eternos revezes.

Revolução quero hoje,

Amanhã não me serve.









V



Gado mestiço,

Boi de raça.

Passo esta vida,

A vida me passa.



Pensam que a fome

No prato se acaba.

Bebo um café

E bebo cachaça.



De ferro são feitos

Ou barro e pirraça.

Sou da mulher da rua,

Sou da dona de casa.



E aumentam a produção

Para o patrão dar graças.

Mijo no poder instituído,

Mijo num canto da praça.





VI



Gado amoroso,

Boi de cerca.

Sigo atrás da gente,

Sigo atrás do povo.



Gestam filhos doentes,

Forjados a pão e ovo.

Disso eu acho graça,

Mas disso eu corro.



Do mangue e do lodo

Tiram seu pão.

Hoje bato meu ponto,

Amanhã bato outro.



Há pressa na rua

E sede no rosto.

Jogo na mega

E perco de novo.









VII



Gado pobre,

Boi de resto.

Vou de ônibus,

Sou expresso.



Ai, que dor!

Mas não há médico.

Meu salário é pequeno,

Sou chuteira no prego



Padecem de amor,

Se afogam no inverno.

Justiça para todos

E verdade, vos peço.



E assentam escolas,

Mas nunca são sérios.

Mulheres são tantas,

Infinitas, eu as quero.





VIII



Gado seco,

Boi carente.

Não fico atrás:

Caminho, somente.



Anoitecem nos bares,

Nos bordéis se rendem.

Fim de semana bato bola,

Antes que fique demente.



E na praia, no campo,

Repousam corpos dormentes.

Sobre a pedra, solitário,

Miro o sol no poente.



Rezam sempre

E sempre e sempre.

Daqui vejo a banda passar,

Não sou ateu nem sou crente.









IX



Gado magro,

Boi de guizo.

Faço fezinha no bicho,

Jogo burro, dá macaco...



São feios e tristes,

Alegres e raros.

Acredito na liberdade,

Vamos fazê-la, eu faço.



Cantam a vida, o amor,

Em versos e traços.

Todo brasileiro é poeta

De arroubos, regaços...



E votam em seus feitores,

No eito do Engenho-mundo:

Perpetuam miséria e fome

Nas cercas do latifúndio.





X



Gado de fibra,

Boi de terreiro.

Nem anjo, nem demônio,

De virtude e pecado sou feito.



E desbravam florestas,

Mares e rios inteiros.

Tranco a porta do quarto,

Deito na cama, adormeço...



Sob as graças do Pai Eterno,

Rezam nos templos, mosteiros.

Vou ao cinema e ao parque,

Quando há tempo e dinheiro.



E seguem fazendo a vida,

Apesar do mudo desespero.

Eu Brasileiro da Silva,

Eu da Silva Brasileiro...

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